Por Ricardo Luiz Nicoli (artigo publicado no Livro Transformações do Estado e do direito, editora FGV, 2009.)
Sumário: 1) Introdução; 2) Discricionariedade e seu controle judicial; 2.1) Conceitos jurídicos indeterminados; 2.2)Discricionariedade técnica (ou regulatória); 3) Os limites do controle positivo das questões técnicas complexas pelo Poder Judiciário (Agências Reguladoras e outros órgãos com funções semelhantes); 4) Conclusão.
1. Introdução
A discricionariedade e os conceitos jurídicos indeterminados são temas sempre atuais e suscitam debates na doutrina e jurisprudência com reflexos direto na discussão (também sempre atual) do controle judicial sobre os atos administrativos discricionários, principalmente agora, com novo ingrediente, o surgimento das Agências Reguladoras no cenário do direito brasileiro que atuam para regular atividades econômicas e questões com complexidade e especificidade técnica.
A partir da criação desses órgãos no Brasil, surgem ilimitadas dúvidas e controvérsias sobre a atuação e os limites de suas competências frente ao ordenamento jurídico em vigor, sendo o Judiciário chamado para equacionar essas questões.
As digressões a seguir servem para nos situar neste debate, abstraindo qualquer pretensão de alcançar uma verdade absoluta (até porque não existe), e para iluminar o tema para efeitos de uma futura reflexão.
2. Discricionariedade e seu controle judicial.
A discricionariedade administrativa é um dos temas centrais e mais complexos do Direito Administrativo, nos seus mais diversos aspectos.
Aprende-se, desde os tempos da faculdade, que a doutrina chega facilmente a um consenso sobre o conceito essencial de discricionariedade (margem de liberdade de ação da Administração Pública, conveniência e oportunidade, etc), o que parece indicar que não há, neste ponto, muita controvérsia, como se pode ver dos conceitos indicados por renomados juristas:
Poder discricionário é o que o direito concede à Administração de modo explícito ou implícito, para na prática de atos administrativos com liberdade de escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. (Hely Lopes Meirelles)
... a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito. (Maria Sylvia Zanella Di Pietro)
Discricionariedade é a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente. (Celso Antônio Bandeira de Mello)
No mesmo sentido é a doutrina estrangeira, como se observa do magistério de Martin Bullinger, citado por Sérgio Guerra, ao definir discricionariedade administrativa como “sendo uma margem de liberdade da Administração que surge quando a sua atividade não está plenamente definida em lei.”
Não é diferente o entendimento de Eduardo Garcia de Enterria e Ramón Fernandez :
A discricionariedade é essencialmente uma liberdade de eleição entre alternativas igualmente justas, ou se se preferir, entre indiferentes jurídicos, porque a decisão se fundamenta normalmente em critérios extrajurídicos (de oportunidade, econômicos etc.) não excluído da Lei e remetidos ao juízo subjetivo da Administração.
Desses conceitos se conclui, até implicitamente, que os critérios de escolha utilizados pelo administrador dentro da margem discricionária estabelecida pelo ordenamento jurídico não são controláveis pelo Poder Judiciário, exceto os aspectos da legalidade, ou seja, somente quando a Administração agir com abuso ou desvio de poder. É o denominado mérito do ato discricionário.
Somente para rememorar, dentro da classificação dos atos administrativos, a doutrina faz distinção entre ato discricionário e ato vinculado , sendo essa distinção, no que diz respeito ao controle do Poder Judiciário, fundamental, na medida em que com relação aos atos vinculados não existe restrição ao controle judicial, pois todos seus elementos estão definidos em lei e o ato deve estar em conformidade com esta, sob pena de sua nulidade.
Já o ato discricionário, que o legislador deixou intencionalmente um espaço livre para decisão da Administração Pública, não pode o Judiciário invadir esse espaço reservado, pela lei, ao administrador, pois caso contrário estaria substituindo-o por seus próprios critérios de oportunidade e conveniência.
Na jurisprudência, o entendimento tradicional é o mesmo da doutrina, tanto na conceituação de ato discricionário quanto sobre o controle do mérito desse ato. Observe:
STJ -MANDADO DE SEGURANÇA Nº12.629 DF (2007⁄0029109-0)
I - O ato de redistribuição de servidor público é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço, levando em conta a conveniência e oportunidade da transferência do servidor para as novas atividades.
II - O controle judicial dos atos administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado. Precedentes. Segurança denegada. (STJ - Relator Ministro Felix Fischer)
STF - MS 23981/DF-MANDADO DE SEGURANÇA
Relator(a):Min. ELLEN GRACIE
DJ 26-03-2004 PP-00006 DIREITO ADMINISTRATIVO.
PODER DISCRICIONÁRIO. ESCOLHA DE ASSESSORES DE PRESIDENTE DE TRIBUNAL. DIÁRIAS E DESPESAS DE VIAGENS. Os Presidentes de Tribunais, por exercerem relevante função na estrutura administrativa do Poder Judiciário, dentro da margem de discricionariedade que lhes é conferida, têm o poder de decisão sobre a conveniência e oportunidade na escolha de servidores para desempenharem funções extraordinárias relacionadas com o interesse da administração. Segurança concedida.
Por essa leitura, conclui-se que não há divergência quanto a sua conceituação clássica, aceita, pode-se dizer, universalmente.
Entretanto, na realidade, esse consenso é aparente, ou melhor, a concordância é somente na parte comum da conceituação, as divergências começam na aplicação e conseqüências concretas desse fenômeno jurídico, pois uma simples pesquisa doutrinária e jurisprudencial mais profunda vai indicar que não existe uma teoria unitária sobre a discricionariedade administrativa e seu controle judicial no Brasil.
O que parece ser consenso é que a grande maioria dos profissionais do direito, talvez por comodismo, evitam uma discussão mais densa e acabam aderindo à doutrina e jurisprudência tradicional que já não consegue fornecer soluções adequadas para todos os problemas.
As conceituações e distinções até aqui apresentadas entre ato discricionário e ato vinculado parecem perder força perante o “neoconstitucionalismo” e a evolução do Estado Democrático de Direito, superando-se a idéia de vinculação do administrador à lei, uma vez que o princípio da legalidade transmuda-se em princípio da constitucionalidade (ou juridicidade) ficando subordinado, primeiramente à Constituição e depois à lei.
Nessa perspectiva, começa a mudança de alguns paradigmas tradicionais e aquele conhecimento convencional sobre o controle judicial do ato administrativo ganha novos contornos, quando então a discricionariedade administrativa passa a ser dissecada não apenas pelo princípio da legalidade, mas também e especialmente pelos princípios da razoabilidade-propocionalidade, moralidade e eficiência que permitem aumentar seu controle, sem perder de vista a necessária prudência para que o juiz não substitua o administrador.
Com esse cenário, surge na doutrina e na jurisprudência algumas teorias e termos para tentar trazer as respostas para essa nova delimitação da discricionariedade administrativa, mas que permita, a um só tempo, garantir o controle judicial e a autonomia da Administração Pública para exercer a sua constitucional função de escolher, dentro dos limites legais, a melhor opção diante do caso concreto.
De acordo com Krell , a doutrina brasileira atual defende uma ampliação do controle judicial da discricionariedade enquanto a jurisprudência apresenta uma atitude mais contida quanto ao controle do mérito do ato administrativo.
Para Gustavo Binenbojm, todos os atos são de alguma forma vinculados em decorrência do acoplamento direto da Administração Pública à Constituição, quando o princípio da legalidade cede espaço ao princípio da juridicidade, não sendo mais possível falar, tecnicamente, numa divisão entre atos vinculados e atos discricionários, mas sim em “diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade”, havendo, no entanto, uma “escada decrescente de densidade normativa vinculativa”, onde, no nível primário estão os atos vinculados por regras, que exibem o mais alto grau de vinculação à juridicidade, cabendo ao Judiciário verificar somente se a conduta do administrador foi a correta; no nível intermediário encontram-se os atos vinculados por conceitos jurídicos indeterminados, que não são fruto de opção pelo legislador, devendo, o magistrado, interpretar a norma vaga e imprecisa feita por aquele (ver item 2.1). No terceiro e último nível estaria os atos vinculados diretamente por princípios, chamados equivocadamente de atos discricionários, quando, dependendo das circunstâncias fáticas e da intensidade da violação dos princípios, o julgador poderá determinar qual a única decisão conforme ao direito para solucionar o caso.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto também entende que a motivação, mesmo nos atos discricionários, é necessária para garantir um maior controle da Administração:
...a obrigatoriedade da existência de motivo, para a edição de ato administrativo, implica a necessidade de motivação, como exigência do princípio homônimo, aqui consistindo na explicação, pelo agente, dos pressupostos fáticos, vinculados ou não, do ato administrativo. A motivação será obrigatória para decisões ou quando a própria lei que rege o ato a exija, mas, em qualquer hipótese, a sua explícita adoção é de grande valia para a garantia da moralidade administrativa, para facilitar o emprego dos instrumentos políticos e jurídicos de controle. (…) A motivação, possibilitando a visibilidade intencional do ato e facilitando sua plena sindicabilidade é, sobretudo, pedagógica, pois põe em evidência que a sede do poder não reside na autoridade do agente, mas na da lei.
A jurisprudência, como dito, apesar de mais contida, já reflete a evolução da doutrina:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO DE CURSO SUPERIOR. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. 1. A margem de liberdade de escolha da conveniência e oportunidade, conferida à Administração Pública, na prática de atos discricionários, não a dispensa do dever de motivação. O ato administrativo que nega, limita ou afeta direitos ou interesses do administrado deve indicar, de forma explícita, clara e congruente, os motivos de fato e de direito em que está fundado (art. 50, I, e § 1º da Lei 9.784/99). Não atende a tal requisito a simples invocação da cláusula do interesse público ou a indicação genérica da causa do ato. (…) 3. Segurança parcialmente concedida, para declarar a nulidade do ato administrativo.” (STJ, MS nº 9.944/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 25.05.2005, DJ 13.06.2005, p. 157).
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.
1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.
3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.
4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.
5. Recurso especial provido. (STJ, Recurso Especial Nº 429.570 - Go, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 11.11.2003, DJ: 22/03/2004).
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - MILITAR - SARGENTO DO QUADRO COMPLEMENTAR DA AERONÁUTICA - INGRESSO E PROMOÇÃO NO QUADRO REGULAR DO CORPO DE PESSOAL GRADUADO - ESTÁGIO PROBATÓRIO NÃO CONVOCADO - CONDIÇÃO "SINE QUA NON" - APLICAÇÃO DO ART. 49 DO DECRETO Nº 68.951/71 - RECURSO ESPECIAL - LIMITAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE - MORALIDADE PÚBLICA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1.A discricionariedade atribuída ao Administrador deve ser usada com parcimônia e de acordo com os princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de desvirtuamento. 2. As razões para a não convocação de estágio probatório, que é condição indispensável ao acesso dos terceiros sargentos do quadro complementar da Aeronáutica ao quadro regular, devem ser aptas a demonstrar o interesse público. 3. Decisões desse quilate não podem ser imotivadas. Mesmo o ato decorrente do exercício do poder discricionário do administrador deve ser fundamentado, sob pena de invalidade. 4. A diferença entre atos oriundos do poder vinculado e do poder discricionário está na possibilidade de escolha, inobstante, ambos tenham de ser fundamentados. O que é discricionário é o poder do administrador. O ato administrativo é sempre vinculado, sob pena de invalidade. 5. Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp 79761/DF, Rel. Ministro ANSELMO SANTIAGO, sexta turma, julgado em 29/04/1997, DJ 09.06.1997 p. 25574)
2.1. Conceitos jurídicos indeterminados.
Essa doutrina teve origem na Áustria com a discussão se esses conceitos eram suscetíveis ou não de controle judicial, com Bernatzik entendendo que os conceitos abertos como “interesse público” teriam de ser preenchidos pelos órgãos administrativos sem a possibilidade de revisão da decisão pelo judiciário e Tezner, em sentido contrário, defendendo um controle objetivo de todos os conceitos normativos, inclusive os vagos, das leis que regiam a relação entre a Administração e os cidadãos.
Os conceitos jurídicos indeterminados (também chamados de vagos ou fluídos) são aqueles cujo conteúdo e extensão da norma não é composto de um sentido preciso e objetivo.
Marcus Vinícius Filgueiras Júnior define os conceitos jurídicos indeterminados como sendo:
“...aqueles cujos limites de sua extensão não podem ser traçados precisamente, a fim de permitir a identificação de quais os objetos ou as realidades que abarcam ou deixam de abarcar, perante situação concreta. ...poderá ser considerado um conceito jurídico indeterminado quando, em razão da incerteza acima referida, restar pelo menos duas espécies de compreensões possíveis (aceitáveis, razoáveis) dele decorrentes, levantadas a partir de um caso concreto”.
No escólio de Sérgio Guerra, os conceitos jurídicos indeterminados são aqueles que “a norma não determina o exato e preciso sentido desses conceitos, haja vista que estes não admitem uma rigorosa e abstrata quantificação ou limitação, somente devendo ser identificados, caso a caso, diante do fato real.”
Na realidade essa vaguidade não é uma imperfeição lingüística, mas sim uma técnica utilizada pelo legislador porque nem sempre é possível determinar todas as situações fáticas em que há de ser aplicada, somente sendo possível essa quantificação ou limitação no caso concreto, além de ser uma forma de manter a lei atualizada aos anseios da sociedade no momento histórico em que ela é aplicada.
São exemplos desses conceitos indeterminados as expressões como “utilidade pública”, “interesse público”, “boa fé”, “perigo iminente”, “probidade”, “sossego público”, “mulher honesta” etc.
A doutrina ainda se divide sobre a correlação entre a discricionariedade e esses conceitos jurídicos indeterminados.
Para alguns doutrinadores, os conceitos jurídicos indeterminados devem ser integrados pelo método interpretativo, admitindo apenas uma única solução justa, ou seja, exclui a conveniência e oportunidade do administrador, sendo seus atos sindicados com maior intensidade pelo Poder Judiciário.
Outros, todavia, entendem que os conceitos indeterminados são partes integrantes do exercício da discricionariedade, sendo, portanto, o mérito desses atos administrativos isentos do controle judicial.
Krell sustenta, com fundamento na doutrina alemã, que os conceitos jurídicos indeterminados e discricionariedade são fenômenos do mesmo processo da abertura de margens de decisão que o legislador confere ao administrador.
Binenbojn ao explicar a distinção dos conceitos determinados e indeterminados confirma a polêmica gerada na doutrina sobre o controle judicial desta teoria:
“Com efeito, as normas jurídicas, podem trazer, em seu enunciado, conceitos objetivos (idade, sexo, hora, lugar), que não geram dúvidas quanto à extensão de seu alcance....e finalmente,...conceitos que requerem do intérprete da norma uma valoração (interesse público, urgência, bons antecedentes, notório saber, reputação ilibada, notória especialização). Estes últimos, integram o que se entende por conceitos jurídicos indeterminados, cujo processo de aplicação causa dúvidas e controvérsias, propugnando-se ora por um controle jurisdicional amplo, ora por controle limitado, dependendo de sua associação ou dissociação da discricionariedade...no controle dos atos vinculados por regras, em que o juiz afere se a Administração deu ao caso a solução correta (controle positivo), no controle dos atos vinculados por conceitos jurídicos indeterminados o juiz deve ater-se a afastar as soluções manifestamente incorretas. Trata-se, assim, de um controle eminentemente negativo.
O professor Sérgio Guerra, depois de discorrer sobre o entendimento de vários autores, concluiu ser acertada a corrente doutrinária que admite mais de uma solução justa na integração dos conceitos indeterminados, ou seja, os conceitos jurídicos indeterminados se inserem no conceito da teoria da discricionariedade, justificando que a idéia de apenas uma solução justa não pode ser compatível com a realidade de todos os casos concretos, e que o direito permite a existência de diversas alternativas justas que virá do equilíbrio e ponderação dos interesses diretos envolvidos. Em outras palavras, o Poder Judiciário não poderá exercer um controle ilimitado do mérito dos atos com base nos conceitos indeterminados existentes no ordenamento jurídico.
Na jurisprudência, como não poderia ser diferente, existem variadas linhas de definições, porém, recentemente, as decisões indicam uma forte tendência em considerar a viabilidade do controle judicial desses conceitos:
STJ - RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE REMOÇÃO.INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO QUE DEMONSTRE O INTERESSE PÚBLICO. CRITÉRIO DE ANTIGUIDADE MANTIDO. RECURSO PROVIDO.I - O assento regimental nº 1/88, no art. 8º, estabelece o critério de antiguidade para a remoção de magistrado, no caso de mais de um interessado pleitear a remoção para uma única vaga. Critério não absoluto, haja vista a disposição: "salvo relevante interesse público, devidamente justificado". II - Viabilidade do controle do Poder Judiciário acerca de conceitos jurídicos indeterminados e do motivo do ato administrativo. III- Ausência de demonstração de prejuízo ao serviço forense a justificar o afastamento do critério de antiguidade.V - Recurso ordinário provido.(RMS 19590 / RS
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2005/0024146-5 – Rel. Min. Felix Fischer, 02/02/2006)
STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AVALIAÇÃO EM ESTÁGIO. PROBATÓRIO. DEVIDA MOTIVAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AVALIAÇÃO QUADRIMESTRAL. NÃO OBSERVADA. I - Acarreta a nulidade do ato de exoneração a não observância do comando legal que impõe avaliações quadrimestrais mediante relatório circunstanciado. II - Não atende a exigência de devida motivação imposta aos atos administrativos a indicação de conceitos jurídicos indeterminados, em relação aos quais a Administração limitou-se a conceituar o desempenho de servidor em estágio probatório como bom, regular ou
ruim, sem, todavia, apresentar os elementos que conduziram a esse conceito. Recurso ordinário provido. (RMS 19210 / RS
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2004/0161210-5)
EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido.
RMS 24699/DF - RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 30/11/2004.
(...) A edição de medidas provisórias, pelo Presidente da República, para legitimar-se juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita observância dos pressupostos constitucionais da urgência e da relevância (CF, art. 62, "caput"). - Os pressupostos da urgência e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos, ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque compõem a própria estrutura constitucional que disciplina as medidas provisórias, qualificando-se como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício, pelo Chefe do Poder Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada, extraordinariamente, pela Constituição da República. Doutrina. Precedentes.(...) (ADI-MC 2213 / DF MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 04/04/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
2.2. Discricionariedade técnica (ou regulatória)
Para o doutrinador italiano Frederico Cammeo, a discricionariedade técnica “se refere àquela que, na aplicação de uma norma vaga e imprecisa, a Administração Pública não pode atuar conforme sua livre vontade. Deve apenas utilizar-se de critérios próprios da técnica administrativa, isto é, critérios da administração e da experiência comum.”
Interpretando esse pensamento, Guerra diz que a diferença entre a discricionariedade pura e a discricionariedade técnica estaria no fato de que na primeira há uma verdadeira liberdade de decisão por parte do Administrador, e, na segunda, o administrador deve proceder conforme critérios técnico-administrativos determinados, ainda que a norma não determine plenamente a forma de atuação.
Mais tarde aquele autor apresentou uma segunda teoria acerca do tema, agora, sustentando que a discricionariedade técnica decorre, ainda, das legislações que utilizam os conceitos jurídicos indeterminados. A diferença entre a discricionariedade pura e a técnica estaria no fato de que nesta última há uma norma técnica reguladora do ato e, assim, os seus fins estão mais claramente definidos. Ou seja, tanto uma como a outra discricionariedade são regidas pelos mesmos critérios, com apenas a diferença de uma norma técnica reguladora, de modo que ficaria afastado o controle judicial dos critérios de oportunidade e conveniência adotados pelo administrador para motivar o seu ato.
Enrico Presutti, também na interpretação de Sérgio Guerra, criticou a teoria acima argumentando que na discricionariedade técnica não se pode incluir o elemento oportunidade (interesse público), devendo restringir a utilização da noção de discricionariedade técnica para designar somente aqueles atos em que a aplicação das normas com conceitos indeterminados requerem um juízo de um fato concreto, na medida e intensidade que este ocorre.
Dito de outra forma: a discricionariedade técnica confere à Administração Pública um poder diverso daquele concedido pela discricionariedade pura, porque a administração não deve decidir com vistas ao interesse público, limitando-se, apenas, a valorar uma gravidade com repercussões internas.
Na doutrina nacional o tema não desperta muito interesse. Alguns, como Di Pietro, entende que não há espaço para a discricionariedade técnica “diante de um preceito que proíbe seja subtraída à apreciação judicial qualquer ameaça ou lesão de direitos (art. 5º, XXXV).” Afirma, também, que a denominação de discricionariedade técnica é inadequada, pois nas hipóteses que a lei usa conceitos que dependem de manifestação de órgão técnico, não cabendo à Administração mais que uma solução juridicamente válida, não há discricionariedade, porquanto não resta margem de escolha ao administrador, fato que a impediria de ser incluída como uma espécie de discricionariedade.
Para outros, como Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Marcos Juruena Vilela Souto, a discricionariedade técnica não é tão ampla, limitando a ação do administrador à escolha de técnicas igualmente válidas e eficiente ao atendimento de um interesse coletivo.
No entendimento de Guerra, o termo discricionariedade técnica visa apenas uma limitação jurisdicional do controle do seu exercício, no sentido de evitar que as escolhas técnicas da Administração não sejam substituídas pelas opções técnicas realizadas pelo juiz.
Já podemos encontrar nos tribunais decisões fazendo referência expressa à discricionariedade técnica, porém, nenhuma delas se arrisca a fazer a conceituação deste termo:
STJ - ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPEDIMENTO DE RELATOR. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO-CABIMENTO. CONCURSO PÚBLICO. REEXAME DE PROVA SUBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO.1. (...). 2. A banca examinadora de concurso público elabora e avalia as provas com discricionariedade técnica. Assim, não há como o Poder Judiciário atuar para proceder à reavaliação da correção das provas realizadas, mormente quando adotados os mesmos critérios para todos os candidatos. 3. (...) 4. (...) 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no RMS 20200/PA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2005/0100146-9 - DJ 17.12.2007 p. 225)
STJ - ADMINISTRATIVO - AUDITOR-FISCAL DO TESOURO NACIONAL (EDITAL ESAF/CRS/DPMF/N. 35/84) - CONCURSO PUBLICO - FORMA, CRITERIOS E CONTEUDO DOS QUESITOS - COMPETENCIA DA BANCA EXAMINADORA – ALCANCE DA APRECIAÇÃO JUDICIAL. 1. Em tema de concurso publico de provas, e cediço que o poder judiciário, aprisionado a verificação da legalidade, não deve substituir os examinadores quanto aos objetivos, fontes e bases de avaliação das questões. As comissões examinadoras organizam e avaliam as provas com discricionariedade técnica.2. Edital escoimado de ilegalidade. 3. Recurso improvido.
TJRJ - INTERRUPÇÃO DE BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO SIGNIFICADO DA INCAPACIDADE LABORAL - DECISÃO BASEADA NA DENOMINADA DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA VALORAÇÃO EQUIVOCADA - ANULAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA - Cassação de auxílio-doença acidentário recebido em conseqüência de acidente laboral. Não obstante o grave quadro acidentário, a sentença julgou improcedente o pedido autoral, com fundamento no resultado do exame pericial que concluiu pela capacidade laborativa, desde que exerça função que não requeira o uso do membro superior direito. Afirmativa que não fundamenta adequadamente a decisão administrativa de corte do auxílio acidentário, já que inserção no mercado de trabalho não depende apenas da vontade do trabalhador em uma realidade social em que campeia o desemprego. Ademais, o exame pericial de acidente do trabalho não constitui um parecer teórico que admita uma ilação técnica desataviada da realidade, muito menos sugestões confiadas ingenuamente no espírito caridoso dos empregadores que teriam uma preocupação muito grande em fazer com que os deficientes físicos exerçam alguma função de modo a não se sentirem inválidos e discriminados. Adoção de certa doutrina que se apóia na designada discricionariedade técnica. O conceito de discricionariedade é extremamente cambiante e não importa verdadeira discricionariedade e sim sua própria negação, porquanto a técnica só pode subordinar-se à eleição de um método ou procedimento científico. O juízo técnico não traduz discricionariedade porque somente haverá uma solução a ser encontrada por parâmetros técnicos que serão apreciados por meio de padrões jurídicos, enquanto estes manifestem eqüidade, proporcionalidade e justiça. A apreciação discricionária está em função do fim; não há discricionariedade técnica sem apreciação técnica e toda a apreciação é produto da razoabilidade. No caso em exame, deve-se levar em consideração fatores empíricos e indagar se aquele trabalhador específico poderá exercer algum tipo de atividade laboral no mercado de trabalho existente no ambiente social em que vive. Quanto à pessoa do autor da ação, pode-se afirmar na quase impossibilidade de sua inserção no meio laboral ativo. As fotografias acostadas aos autos falam por si. Provimento ao recurso. (AC. 2007.001.46112 – Dês. Edson Vasconcelos – julgamento: 23/01/2008 – Décima Sétima Câmara Cível)
3. Os limites do controle positivo das questões técnicas complexas pelo Poder Judiciário (Agências Reguladoras e outros órgãos que exercem funções semelhantes).
Conforme já explanado alhures, consolidou-se em grande parte da doutrina e jurisprudência que ao Poder Judiciário competia somente o controle da legalidade dos atos administrativos, sendo-lhe vedado a análise do seu mérito, até mesmo como forma de preservar a separação e independência dos poderes (art. 2º da Constituição da República).
Todavia, nos últimos anos, a jurisprudência, acompanhando significativa parte da doutrina, vem admitindo um controle jurisdicional com maior profundidade dos atos administrativos discricionários, não se limitando apenas aos aspectos da legalidade ou legitimidade.
Como bem observa o professor Sérgio Guerra , os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre os limites do controle judicial dos atos emanados de autoridades administrativas se sucedem no tempo com períodos de predominância de uma ou outra tendência, ou seja, em determinado momento histórico batalham para que o Poder Judiciário exerça um controle além dos aspectos legais, e em outros buscam proteger a Administração de uma ingerência maior nos seus atos discricionários.
Pois bem, mas outra questão polêmica nesta seara é a forma de implementação do controle judicial do ato discricionário, que pode ser feito com a simples invalidação do ato realizado para que a administração pública edite outro sem os vícios apontados (forma negativa), ou a invalidação seguida de um comando judicial que substitui o ato maculado (forma positiva).
A forma negativa de controle não traz muita controvérsia, porém, a sua forma positiva, quando o juiz ao declarar a invalidade do ato substitui a decisão administrativa discricionária, principalmente em determinadas situações regulatórias, é que vem causando um intenso debate entre os estudiosos do tema, diante da possibilidade de tal conduta trazer insegurança jurídica nas relações entre a iniciativa privada e o Estado.
Sustenta-se que o controle judicial positivo somente deveria ser possível quando o ordenamento jurídico estabelecesse exatamente qual é o sentido em que a Administração Pública há de ter diante do caso concreto, vale dizer, o controle judicial deve ser positivo apenas quando o ato for vinculado, ou seja, existir apenas uma única solução justa.
Essa teoria pode ser extraída da doutrina de Germana de Oliveira Moraes:
O Poder Judiciário, quando revê os atos administrativos não vinculados, poderá invalidá-los, mas não poderá, via de regra, determinar sua substituição por outro...em certas situações excepcionais (...) é possível ao Juiz inferir, da realidade e da ordem jurídica, qual a única decisão comportável pelo Direito para solucionar o caso.
É certo que diante do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário quando o administrado sofrer ou for ameaçado de lesão a direito, a doutrina atual sustenta uma maior participação dos órgãos jurisdicionais no controle dos atos administrativos discricionários para evitar o arbítrio do administrador.
Por outro lado, também diante do princípio (não menos importante) da separação e independência dos poderes (art. 2º, CR/88), também é defendida uma moderada atuação jurisdicional na revisão desses atos para não correr o risco do juiz substituir a competência técnica do administrador.
Nessa tensão de princípios constitucionais e com a complexidade que se apresenta para resolver as diversas exigências normativas do Estado, principalmente os que objetivam regular os sistemas e subsistemas norteados por questões técnicas e científicas, o Poder Judiciário deve evitar excesso de atuação jurisdicional para não modificar um ato administrativo regulatório que envolva decisão discricionária (técnica) necessária para o alcance de interesses setoriais com o risco de provocar uma desarmonia e desequilíbrio de um subsistema regulado.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, sustenta que para justificar uma decisão judicial que modifica uma decisão administrativa (técnica), deve ser considerada não apenas aspectos retrospectivos, ou seja, dados do passado, mas também que sejam considerados elementos voltados para o futuro, através de um exercício prospectivo para salvaguardar valores fundamentais que a própria ordem jurídica declara e preserva.
Luis Roberto Barrosos diz que no âmbito das agências reguladoras:
é decisivo que o Judiciário seja diferente em relação às decisões administrativas. Ou seja, o Poder Judiciário somente deverá invalidar decisão de uma agência reguladora quando evidentemente ela não puder resistir ao teste de razoabilidade, moralidade e eficiência. Fora dessas hipóteses, o Judiciário deve ser conservador em relação às decisões das agências, especialmente em relação às escolhas informadas por critérios técnicos, sob pena de cair no domínio da incerteza e do subjetivismo.
Nessa linha de idéias, é facilmente compreensível a preocupação com esses balizamentos, uma vez que o controle judicial é regrado pelo Direito e o ato regulatório é regido por critérios metajurídicos.
Guerra novamente esclarece:
“A Administração é livre para eleger, dentro do amplo espaço que em cada caso lhe permite a lei e o Direito, as razões (jurídicas, econômicas, sociais, técnicas, ambientais), a curto, médio e longo prazo, que servem de suporte a suas decisões. Essas razões não podem ser utilizadas pelos Tribunais para justificar as suas, apenas de Direito”.
Como explica Gustavo Binenbojm, os atos administrativos que exigem uma preparação técnica, por sua alta complexidade e dinâmica específica, faltam elementos objetivos para um controle seguro do Poder Judiciário, devendo, portanto, ser menor a amplitude desse controle. “Nestes casos, a expertise e a experiência dos órgãos e entidades da Administração em determinadas matérias poderão ser decisivas na definição da espessura do controle.”
No âmbito da jurisprudência, apesar de ser ainda embrionário, os Tribunais começam a seguir a doutrina especializada, como podemos ver da decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema “taxa básica da telefonia”. Veja a ementa:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO DE TELEFONIA. COBRANÇA DE "ASSINATURA BÁSICA RESIDENCIAL". RESOLUÇÕES N. 42/04 E 85/98, DA ANATEL, ADMITINDO A COBRANÇA. DISPOSIÇÃO NA LEI N. 8.987/95.
POLÍTICA TARIFÁRIA. LEI 9.472/97. AUSÊNCIA DE OFENSA A NORMAS E PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A Corte Especial, na questão de ordem no Ag 845.784/DF, entre partes Brasil Telecom S/A (agravante) e Zenon Luiz Ribeiro (agravado), resolveu, em 18.04.2007, que, em se tratando de ações envolvendo questionamentos sobre a cobrança mensal de "assinatura básica residencial" e de "pulsos excedentes", em serviços de telefonia, por serem preços públicos, a competência para processar e julgar os feitos é da Primeira Seção, independentemente de a Anatel
participar ou não da lide. 2. (...) 3. A remuneração tarifária, valor pago pelo consumidor por serviço público voluntário que lhe é prestado, tem seu fundamento jurídico no art. 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal, pelo que a política adotada para a sua cobrança/fixação depende de lei. 4. No contrato de concessão firmado entre a recorrente e o poder concedente, há cláusula expressa afirmando que, “para manutenção do direito de uso, as prestadoras estão autorizadas a cobrar tarifa de assinatura”, segundo tabela fixada pelo órgão competente. Estabelece, ainda, que a tarifa de assinatura inclui uma franquia de 90 pulsos. 5. A tarifa mensal de assinatura básica, incluindo o direito do consumidor a uma franquia de 90 pulsos, além de ser legal e contratual, justifica-se pela necessidade da concessionária manter disponibilizado o serviço de telefonia ao assinante, de modo contínuo e ininterrupto, o que lhe exige dispêndios financeiros para garantir a sua eficiência. 6. Não há ilegalidade na Resolução n. 85, de 30.12.1998, da Anatel, ao definir: “XXI – Tarifa ou Preço de Assinatura – valor de trato sucessivo pago pelo assinante à prestadora, durante toda a prestação do serviço, nos termos do contrato de prestação de serviço, dando-lhe direito à fruição contínua do serviço”. 7. A Resolução n. 42/05 da Anatel estabelece, ainda, que “para manutenção do direito de uso, caso aplicável, as Concessionárias estão autorizadas a cobrar tarifa de assinatura mensal”, segundo tabela fixada. 8. A cobrança mensal de assinatura básica está amparada pelo art. 93, VII, da Lei n. 9.472, de 16.07.1997, que a autoriza, desde que prevista no Edital e no contrato de concessão, como é o caso dos autos. 9. A obrigação do usuário pagar tarifa mensal pela assinatura do serviço decorre da política tarifária instituída por lei, sendo que a Anatel pode fixá-la, por ser a reguladora do setor, tudo amparado no que consta expressamente no contrato de concessão, com respaldo no art. 103, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.472, de 16.07.1997. 10. O fato de existir cobrança mensal de assinatura, no serviço de telefonia, sem que chamadas sejam feitas, não constitui abuso proibido pelo Código de Defesa do Consumidor, por, primeiramente, haver amparo legal e, em segundo lugar, tratar-se de serviço que, necessariamente, é disponibilizado, de modo contínuo e ininterrupto, aos usuários. 11. O conceito de abusividade no Código de Defesa do Consumidor envolve cobrança ilícita, excessiva, possibilitadora de vantagem desproporcional e incompatível com os princípios da boa-fé e da eqüidade, valores negativos não presentes na situação em exame. 12. Recurso especial conhecido e provido para permitir a cobrança mensal da tarifa acima identificada e repelir a imposição de multa por litigância de má-fé. (REsp 1037915 / SP
RECURSO ESPECIAL 2008/0052012-2 - Ministro JOSÉ DELGADO – Julgado em 08/04/2008 - DJ 24.04.2008 p. 1).
Por oportuno e pela clareza dos fundamentos apresentados, transcrevo trechos do voto do Ministro Humberto Martins (STJ) no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2007/0087915-3 que negou seguimento a esse recurso e tratava do tema em questão:
Ementa: ADMINISTRATIVO - TELEFONIA - CONTRATO - CONCESSIONÁRIA – ASSINATURA BÁSICA MENSAL - LEGALIDADE DA COBRANÇA - PRECEDENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO. 1. Posicionou-se o STJ, quanto à questão da assinatura básica mensal, no sentido da sua legalidade, conforme decidido na Primeira Seção em 24.10.2007, no julgamento do REsp 911.802/RS, da relatoria do Ministro José Delgado. Agravo regimental improvido. AgRg no REsp 942697 / SP
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2007/0087915-3 - DJ 15.02.2008 p. 85 - Ministro HUMBERTO MARTINS.
(...)No caso específico das telecomunicações, a Emenda Constitucional n. 8, de 16 de agosto de 1995, que alterou o art. 21, XI, da Constituição determinou fosse criado um “órgão regulador” para a regulação desses serviços. A leitura desse texto constitucional, conjugado com as emanações dogmáticas, reconduz a três conclusões essenciais para o julgamento deste recurso:
a) a Agência Nacional de Telecomunicações é uma agência qualificada constitucionalmente, o que a situa em um locus normativo especial, diferentemente de outros órgãos que não mereceram as atenções específicas do constituinte derivado.
b) a Agência Nacional de Telecomunicações detém a primazia e a exclusividade na regulação dos serviços de telecomunicações. Como a doutrina há apontado, tratou-se de uma radical opção do constituinte derivado ao mencionar a “criação de um órgão regulador”. Transcrevo excerto dogmático que aprofunda esse tópico:
"Veja-se o problema sobre outro aspecto. O art. 21 da Constituição Federal define ser atribuição da pessoa jurídica de direito público interno titular da soberania nacional, a União, 'explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais' (inciso XI).
A citada norma constitucional foi alterada pela Emenda Constitucional 8, de 15-8-1995, para permitir que lei específica (a indicação alude aos “termos da lei”) regesse os serviços de telecomunicações e, com maior destaque, ao fim de possibilitar a instituição de um órgão regulador. Não se cuidou de órgão regulador, o que, numa interpretação extensiva, permitiria imaginar a divisão desse mister com outro plexo. Tratou-se de um órgão regulador, a significar a concentração desses misteres em um único ente, tamanha sua interferência em um dos mais importantes setores da vida econômica nacional. É lícito concluir, portanto, que admitir seja estabelecido outro agente regulador (sob a forma de autarquia especial), além do já existente, é inconstitucional. Cabível seria, v.g., mudar a estrutura jurídica da Anatel. No entanto, ao lume do art. 21, inciso XI, nenhum outro ente poderá assenhorar-se, mesmo em condomínio funcional, das já amplas atribuições daquela agência." (RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. O regime jurídico-constitucional da radiodifusão e das telecomunicações no Brasil em face do conceito de atividades audiovisuais. A inconstitucionalidade do anteprojeto de lei que cria a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual - Ancinav. Revista de Informação Legislativa, v.43, n.170, pp. 287-309, abr⁄jun, 2006. pp. 294-295.)
c) O poder normativo da Anatel tem caracteres de autonomia. Ao regular, a Anatel ocupa um limbo legislativo deixado propositadamente pelo regime constitucional das agências, como uma metafórica renúncia de soberania em nome das vantagens advindas do controle técnico dos serviços de infra-estrutura. Há reconhecimento dessa autonomia pelo próprio STJ, na ADin n. 1.668-5.
Essa delegação legislativa para os órgãos regulatórios justifica-se pela necessidade típica de setores específicos, relacionados à infra-estrutura, energia e comunicações, que demandam regras de eminentemente técnicas, cuja atualização pudesse ser freqüente e periódica, de molde a evitar que a obsolescência normativa não prejudicasse a prestação dos serviços (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit. p.117)
As Resoluções da Anatel contêm essa finalidade e estão assentadas na Lei Geral de Telecomunicações e na própria Constituição de 1988.
A habilitação do Serviço de Telefonia Fixa Comutada, a vulgarmente conhecida assinatura básica, atenderia a uma contraprestação pela comodidade advinda do serviço fruído no domicílio do usuário.
Além disso, baseio-me na idéia mais genérica de que a feitura da equação tarifária é atribuição administrativa da Agência. Só poderia o Poder Judiciário interferir em casos excepcionais, de gritante abuso ou desrespeito aos procedimentos formais de criação dessas figuras. Carece o Poder Judiciário de mecanismos suficientemente apurados de confronto paritético às soluções identificadas pelos expertos da Agência reguladora.
O Poder Judiciário, especialmente o STJ, não pode ceder à tentação de judicializar o ambiente regulatório. O Brasil tornou-se um país acreditado internacionalmente graças à difícil opção política de romper com os caminhos fáceis, porquanto trágicos, do populismo e da irresponsabilidade fiscal. No mundo dos investimentos, a segurança é um valor venerável. E, sem essa credibilidade, o desenvolvimento nacional estará severamente comprometido a longo prazo.”
Cabe, ainda, trazer a colação o entendimento do Tribunal de Contas da União:
PEDIDO DE REEXAME. ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO DE REVISÃO TARIFÁRIA PERIÓDICA DA CEMIG. PROCESSUAL. COMPETÊNCIA EM RELAÇÃO À FISCALIZAÇÃO DE ATOS DISCRICIONÁRIOS PRATICADOS PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS. INADEQUABILIDADE DE DETERMINAÇÃO ANTERIOR. PROVIMENTO PARCIAL.
1. Em se tratando de atos discricionários de agência reguladora, o TCU se limita a recomendar a adoção de providências consideradas por ele mais adequadas.
2. Dá-se provimento, no todo em parte, à peça recursal, tornando insubsistentes itens do acórdão recorrido, ou dando-lhes nova redação, quando os interessados em grau de recurso, em face do caso concreto, conseguem demonstrar a inadequabilidade de determinações anteriormente encaminhadas. (Acórdão 200/2007 – Plenário - Ministro Relator VALMIR CAMPELO)
ACOMPANHAMENTO. REVISÃO TARIFÁRIA, PELA ANTT, DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL E INTERNACIONAL DE PASSAGEIROS EM PERCURSOS SUPERIORES A 75 KM. CONHECIMENTO. REGULARIDADE DE ATOS INERENTES À ATIVIDADE FINALÍSTICA DA AGÊNCIA REGULADORA. CONTROLE EXTERNO DE SEGUNDA ORDEM. OPORTUNIDADES DE MELHORIA. RECOMENDAÇÕES.
1. Atos discricionários inerentes à atividade finalística de agência reguladora submetem-se, em regra, à apreciação do Tribunal de Contas da União a título de controle externo de segunda ordem.
2. Regularidade de atos da Agência Nacional de Transportes Terrestres praticados ao efetuar reajustes tarifários em 2005 e 2006, bem como ao adotar a Resolução/ANTT nº 1.627, de 13/9/2006.
3. Na fase de execução contratual, a fiscalização observará o fiel cumprimento das normas pertinentes e das cláusulas contidas no contrato e respectivos termos aditivos firmados com a concessionária e/ou permissionária, ou constantes do termo de obrigações, além de avaliar a ação exercida pelo órgão, pela entidade federal concedente ou pela respectiva agência reguladora, bem como as diretrizes por ele estabelecidas (art. 11 da IN n.º 27/98-TCU).
4. Incumbe às agências reguladoras, dotadas por lei de autonomia de ação e de discricionariedade técnica, compor em primeiro plano os interesses envolvidos na concessão ou permissão, visando satisfazê-los de forma equilibrada, em especial nos processos de reajuste ou revisão tarifária, que devem buscar tarifas módicas, em favor do usuário, preservando simultaneamente a viabilidade econômica das concessionárias e permissionárias.
5. O TCU, ao fiscalizar as atividades-fim das agências reguladoras, não deve substituir-se aos órgãos que controla nem estabelecer o conteúdo de atos de competência do órgão regulador, determinando a adoção de medidas, salvo quando verificar a ocorrência de ilegalidade ou omissão da autarquia em cumprir as normas jurídicas pertinentes (Acórdãos 1703/04, 1926/4, 2022/04, 2.067/04, 556/05 e 649/05, todos do Plenário) Ministro Relator Augusto Nardes - Acórdão 715/2008 – Plenário.
4. Conclusão
À guisa de conclusão, na linha de pensamento da moderna doutrina do Direito Administrativo e aos entendimentos mais recentes da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nenhuma dúvida fica que a tendência é o aprofundamento pelo judiciário no mérito dos atos administrativos, ante a exigência constitucional, com base nos princípios e regras que regem a Administração Pública.
Por outro lado, não se pode olvidar que embora os atos administrativos expedidos pelas Agências Reguladoras e órgão com funções semelhantes, como todo ato administrativo, se sujeitam ao controle judicial, a Constituição da República de 1988 conferiu as Agências Reguladoras a tarefa de expedir normas gerais e abstratas para cumprir as tarefas constitucionais de garantir a livre concorrência dos mercados, normatizar e regular a atividade econômica.
Com efeito, em determinadas situações têm que reconhecer às Agências Reguladoras uma margem de apreciação na execução de atos administrativos discricionários técnicos, permitindo que elejam uma dentre duas ou mais soluções justas, razoáveis, proporcionais e eficientes para o interesse público, sendo vedado ao Poder Judiciário substituí-lo positivamente, pois os impactos sistemáticos do ato regulatório vão além da competência técnica do magistrado (interpretação prospectiva).
A discricionariedade técnica ou regulatória parece não ser competência do Judiciário, e o ativismo jurídico nesse tema específico, diante das suas peculiaridades, pensando somente na legalidade do ato e não nas suas conseqüências econômicas, pode significar a transferência da discricionariedade técnica das Agências Reguladoras, que seguem políticas públicas pré-estabelecidas para o setor regulado, para os peritos indicados pelo juiz.
Por final, o que se constata é que os limites da atuação do Judiciário nesse ramo estão sendo desenhados e as velhas formas de interpretação do ato administrativo começam a dar lugar a novos paradigmas.
Referências bibliográficas:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 15ª ed., Malheiros, 2003.
BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo, Ed. Renovar, Rio de Janeiro. São Paulo. Recife, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo – 11ª ed. São Paulo – Atlas, 1999.
______. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988 – 2ª ed. São Paulo – Atlas, 2007.
FILGUEIRAS JÚNIOR, Marcus Vinícius. Conceitos jurídicos indeterminados e discricionariedade administrativa. Lumen Juris – Rio de Janeiro – 2007.
GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos Atos Regulatórios. Lumen Juris – Rio de Janeiro – 2005.
KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e conceitos jurídicos indeterminados e controle judicial – Revista da ESMAFE da 5ª Região – p. 177/224.
LANDAU, Elena (Coord.) Regulação Jurídica do Setor Elétrico. Lumen Júris – Rio de Janeiro – 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro – 29ª ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Malheiros, 2004.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2006.
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