Da Folha de S.Paulo
Uma revolução nas entranhas do Judiciário
GERVÁSIO PROTÁSIO DOS SANTOS
A resolução nº 70 do CNJ traz a possibilidade concreta de ser instituído o orçamento participativo no âmbito do Judiciário brasileiro
N ÃO HÁ mais tempo a perder. O Poder Judiciário brasileiro necessita urgentemente de um planejamento organizado e de uma gestão estratégica a fim de conquistar eficiência e combater a morosidade. O pontapé inicial para alcançar a excelência administrativa foi dado com a resolução nº 70 do Conselho Nacional de Justiça, que garante a participação dos magistrados na execução orçamentária e no planejamento dos tribunais. Não se trata de uma faculdade, mas, na verdade, de um direito, uma prerrogativa da magistratura, que poderá acompanhar todo o ciclo orçamentário, participando das tomadas de decisões. É a possibilidade concreta de instituir o orçamento participativo no âmbito do Judiciário brasileiro. Partiu do jornalista e ex-deputado Márcio Moreira Alves, em sua obra “A Força do Povo” (1980), a melhor tradução para orçamento participativo, quando o define como um mecanismo governamental de democracia que permite aos cidadãos influenciar ou decidir sobre os orçamentos públicos.
“No orçamento participativo retira-se poder de uma elite burocrática, repassando-o diretamente para a sociedade. Com isso, a sociedade civil passa a ocupar espaços que antes lhe eram furtados.” No âmbito do Poder Judiciário, o orçamento participativo terá a mesma função. Será um instrumento que garantirá voz aos magistrados e serventuários que se encontram no “front” da prestação jurisdicional.
São eles que possuem condições de identificar com mais precisão as carências que impedem a prestação de um serviço jurisdicional de qualidade. A Constituição de 1988 assegurou a autonomia do Judiciário. Apesar do avanço, é nítida, ainda, a ausência de uma cultura que privilegie a profissionalização da gestão. A prerrogativa de elaborar a própria proposta orçamentária não foi explorada pelos tribunais, que, em regra, delegam a tarefa a um corpo burocrático, que cumpre a missão sem ouvir as demandas ou investigar as necessidades dos encarregados da prestação jurisdicional. Mesmo os integrantes dos tribunais ou dos órgãos especiais, a quem cabe a função de apreciar a proposta orçamentária antes da sua remessa ao Executivo, limitam-se a chancelar em plenário o que for apresentado pelo corpo burocrático.
O resultado é perverso, pois nem sempre os recursos disponibilizados são gastos de forma a aprimorar o serviço que é prestado à sociedade. Historicamente, o que se observa é uma concentração de recursos nas cúpulas do Judiciário em detrimento da primeira instância, que, via de regra, possui as piores condições de trabalho e recebe o maior volume de processos, considerando que é a porta de acesso à Justiça.
Atenta para a necessidade de um maior engajamento dos juízes na elaboração do orçamento dos tribunais, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) concebeu a campanha “Gestão Democrática do Judiciário”, que pretende criar condições para operacionalizar o que está previsto na resolução nº 70, com vistas à implementação do orçamento participativo no âmbito do Judiciário. Para isso, a AMB disponibilizará às associações estaduais e regionais as ferramentas necessárias para que as entidades possam colher com seus associados informações que ajudarão a definir as prioridades que, na visão da magistratura, devem ser contempladas pela proposta a ser elaborada pelos tribunais.
Pesquisa realizada pela AMB no ano de 2009 demonstra que apenas 1% da magistratura brasileira tem conhecimento da dotação orçamentária destinada à sua unidade jurisdicional. Isso demonstra que os magistrados não são chamados a participar da administração do Poder. A instituição do orçamento participativo terá a missão de modificar essa realidade, pois a participação implica corresponsabilidade pelos resultados. É a possibilidade de criar uma dinâmica em que todos os magistrados são responsáveis pela boa aplicação dos recursos orçamentários. Isso nos dará, também, condições políticas para exigir uma maior fatia do bolo tributário, bem como permitirá que nos oponhamos com propriedade a eventuais cortes orçamentários promovidos pelo Executivo ou pelo Legislativo. Com a institucionalização de uma política orçamentária participativa e equilibrada, temos a certeza de que muito em breve o Poder Judiciário será bem mais eficiente, o que implicará sua valorização, mais respeito e afirmação como típico Poder do Estado nas relações com os outros Poderes.
GERVÁSIO PROTÁSIO DOS SANTOS é presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão e coordenador da campanha “Gestão Democrática do Judiciário”.
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