Por Gervásio Protásio dos Santos*
Quando me deparo com o cotidiano de algumas unidades judiciárias me vem à mente aquela cena do inesquecível filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, em que o personagem aparece em uma fábrica apertando parafusos freneticamente, tentando acompanhar a velocidade da esteira. É o que tem acontecido conosco, juízes brasileiros. A cada dia somos obrigados a decidir mais rápido para acompanharmos o grande número de ações distribuídas.
Nos últimos anos uma conjunção de fatores – maior consciência do consumidor, facilidade de acesso à jurisdição, má qualidade da prestação dos serviços, ineficiência de agências reguladoras – tem produzido uma explosão de ações, sobretudo, no âmbito dos Juizados Especiais.
O traço comum dessas ações é que, embora individuais, têm a característica de demandas de massa, em razão da semelhança dos litígios. Diante da constante repetição, estabelece-se uma batalha do “CtrlC e CtrlV” de todos os atores do processo, em um gesto automático onde os detalhes acabam passando despercebidos e sufocados pelo elevado volume.
A situação poderia ser muito mais simples se tivéssemos a cultura das ações coletivas e uma legislação mais eficaz que condicionasse a pretensão individual ao resultado dessa iniciativa geral. Estamos apenas começando a tomar consciência de que o atual sistema está fadado ao fracasso em um futuro breve. Pois, não há orçamento largo o suficiente que consiga prover a sociedade de mais unidades judiciárias, mais juízes e servidores para atender à demanda individual na atual proporção do seu crescimento.
Precisamos repensar todo o sistema, considerando que a sede de justiça da sociedade moderna não poderá ser aplacada pelos mecanismos antigos, a inovação é um imperativo.
Priorizar as ações coletivas é apenas uma parte das medidas que necessitam ser adotadas. A outra, sem dúvida, depende da iniciativa do próprio Judiciário e está relacionada com a sua administração.
Não é mais possível administrarmos o Judiciário com os olhos voltados para o século passado. É hora de agirmos como profissionais, gerenciando recursos (financeiro e pessoal) com o fim de obter os melhores resultados com o estoque disponível
Não é a primeira vez, e certamente não será a última, que trato do tema, sempre com a impressão de que algum dia o óbvio será visto e os Tribunais não resistirão mais a adoção de medidas que qualquer empresa mediana sabe ser essencial para a sobrevivência no “mercado”.
Por enquanto, definitivamente, agimos como amadores. Tome-se como exemplo a implantação do processo eletrônico.A racionalidade do sistema, o imperativo ambiental, a evolução cibernética e o crescimento do número de demandas exigiram que o Judiciário voltasse os seus esforços para o processo eletrônico. As portas, do ponto de vista legal, foram abertas pela Lei 11.418/2006.
Ocorre que, aqui, mais uma vez, as coisas foram acontecendo sem um cuidadoso planejamento. É a filosofia do vamos fazer de qualquer jeito que, depois, tudo se arruma. Afinal, não é o administrador e nem os seus pares nas Cortes que sofrem os efeitos da desastrosa política da improvisação.
É claro que o adequado manejo do processo eletrônico exige um ambiente virtual e uma velocidade de link compatível com a exigência do sistema, sob pena do tempo despendido para a análise do processo produzir mais morosidade do que o gasto com o velho papel.
Trabalhar com o processo eletrônico em computadores sem a manutenção necessária e com internet de baixa velocidade não é um passo à frente. Na verdade, são dois para trás. Infelizmente, este é o cenário que se vê em muitos estados e o resultado é que, até agora, a inovação não tem produzido a velocidade necessária. Afinal, uma Ferrari em pista sem pavimentação será menos eficiente do que a velha Rural.
O segredo não é retornar para o antigo carro, mas pavimentar a estrada para que o novo possa rodar e isso exige profissionalismo. Ou profissionalizamos a gestão do Judiciário, ou correremos o risco do personagem de “Tempos Modernos”, verdadeiros autômatos tentando acompanhar a velocidade da esteira, mas sem sucesso.
* Gervásio Protásio dos Santos é juiz de Direito da 9ª Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís - MA, ex-presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA).
Publicado originariamente no site:wwwgervasiosantos.com.br
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