O foro privilegiado pode ser o fator decisivo para desfecho do caso que ficou conhecido como mensalão. O desmembramento da ação penal 470, que conta com 38 réus, levaria maioria dos acusados para serem julgados pela primeira instância. Em entrevista exclusiva a Última Instância, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes disse que neste caso o foro funciona de forma positiva. “Ele está sendo julgado porque tudo está concentrado no Supremo. Provavelmente, se estivessem no primeiro grau, ou em vários juízes de primeiro grau, nós teríamos decisões díspares e impugnações sucessivas”, afirmou.
Não faltaram pedidos para que o processo de acusados sem esse direito fossem enviados ao juiz na primeira instância. Mas o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa indeferiu todos os pedidos. Atualmente, apenas três réus têm a prerrogativa de serem julgados exclusivamente pelo Supremo: os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry Neto (PP-MT).
Gilmar Mendes defende que o julgamento precisa acontecer antes da aposentadoria compulsória do ministro Cezar Peluso, em setembro deste ano.
Mendes aponta que possíveis especulações sobre quem irá integrar a Corte, com saída de Peluso, podem gerar críticas de que o governo estaria buscando “indicados para atender a determinado tipo de demanda”. O ministro destaca que praticamente toda a atual composição do Supremo acompanhou o recebimento da denúncia em 2007 e tem conhecimento do processo, que está com 234 volumes e 495 anexos.
Sobre a forma como será dividida a sustentação oral dos 38 advogados das defesas e as cinco horas para a acusação, além dos debates e leitura de votos, Mendes diz que isso dependerá do relator da ação, que terá de cuidar de um caso cuja “engenharia institucional” é dificultada justamente pelo número de réus e complexidade do que será julgado. Para o ministro, no período do julgamento o gabinete terá que se dedicar mais ao caso. Ele, no entanto, avalia que o STF não vai parar: “Nossa vida continua, no plenário e na Turma, toda semana preparando votos de processos relevantes.”
Leia a íntegra da entrevista:
Última Instância — Existe uma tensão entre os ministros do STF por conta da pressão para julgar o mensalão o mais rápido possível?
Gilmar Mendes — A denúncia foi recebida em 2007, então o processo vem sendo desenvolvido em termo de instrução criminal e dezenas de testemunhas foram ouvidas. Mas a instrução se encerrou no ano passado, então começa a ter o risco de, em alguns casos, ter a prescrição, e esse é um dado importante. Por outro lado, nós temos dois colegas que vem acompanhando essa matéria e que podem se afastar em razão da aposentadoria compulsória, e isso envolveria então a recomposição do Tribunal. Há a necessidade de que haja medidas pra que possamos julgar ainda este ano com a presença deles.
Última Instância — E se o julgamento não acontecer dentro do prazo esperado?
Gilmar Mendes — Diante da politização dessa temática, se passarmos o julgamento para o próximo ano e esperarmos a recomposição do tribunal, vamos ter também uma carga adicional de críticas em relação a esses colegas que virão, de que tenham sido indicados pelo governo para atender a determinados tipo de demanda. Se for possível, o ideal é que se julgue esse processo. Não há nenhuma celeridade nem precipitação, está-se julgando no tempo adequado.
Última Instância — Quando houve a denúncia, o ministro Ricardo Lewandowski falou que o recebimento foi feito com a “faca no pescoço”, sugerindo que existia uma pressão. Ela permanece?
Gilmar Mendes — A partir do momento em que o julgamento se avizinha existe um interesse maior da mídia sobre o assunto, e obviamente ele volta à discussão. O tribunal decide matérias, as mais diversas, sob a atenção da opinião pública e da imprensa, acho que já há um treinamento em relação a isso. Na época, houve a divulgação de fotos e diálogos. Foi um julgamento tenso por conta desses incidentes isolados, mas que acabaram por afetar o ambiente como um todo.
Última Instância — O foro privilegiado pode ter atrapalhado o andamento do processo?
Gilmar Mendes — Esse é um caso emblemático que mostra que o foro privilegiado nem sempre é negativo. Esse caso só está sendo julgado porque tudo está concentrado no Supremo. Muito provavelmente se estivessem no primeiro grau, ou em vários juízes de primeiro grau, nós teríamos decisões díspares e impugnações sucessivas. Nesse sentido, foi positiva a concentração da matéria no STF.
Última Instância — Em sessão plenária, o senhor questionou como se daria a dinâmica do julgamento do mensalão. Qual sua sugestão?
Gilmar Mendes — Isso depende muito do relator, das próprias condições físicas dele. Evidente que estamos dependendo da data para nos debruçarmos sobre isso, porque vai envolver mais dedicação do gabinete na matéria. Nossa vida continua, no plenário e na Turma, toda semana preparando votos de processos relevantes.
Precisamos saber se o julgamento se dará pela manhã ou à tarde, se haverá mais sessões. Estamos falando de um julgamento que envolve [quase] 50 horas de sustentação oral e é preciso saber como distribuir esse tempo ao longo dos dias, e depois os eventuais desdobramentos. Depois vamos passar para os debates e os votos, e ainda eventuais preliminares que as partes suscitem.
Última Instância — E quanto à sugestão de utilizarem o mês de julho para julgar o caso?
Gilmar Mendes — As férias não são necessariamente férias. Envolvem um período de descanso, mas também de preparação de votos e pautas do próximo semestre. É importante saber quando que vamos começar esse julgamento, já que aposentadoria do ministro Peluso se dará em setembro.
Última Instância — Qual sua opinião sobre o sigilo processual, já que vemos constantemente vazamentos, no caso mensalão e em outros?
Gilmar Mendes — A lei exige o sigilo em determinados casos, principalmente quando contêm escuta telefônica. E era razoável que houvesse a observância disto. Diante do envolvimento de tantas pessoas e da dificuldade de controle, temos que ter pensamento crítico, porque há o vazamento parcial que cria polêmica e gera interpretação descontextualizada. Esse tema terá que ser discutido com o seriedade, ou se estabelece algum tipo de controle, ou melhor que se encerre com essa ficção.
Fonte: site Última Instância
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