(Mario Bonsaglia)*
Nos Estados Unidos, a Lei Judiciária de 1801 ficou conhecida como a “Lei dos Juízes da Meia-Noite” (“Law of the Midnight Judges”). Os federalistas, que haviam perdido as eleições legislativas e presidenciais para o Partido Republicano, resolveram, já no final do mandato do presidente Adams, alterar a Lei Judiciária de 1789 para se incrustarem no judiciário federal, aumentando seu tamanho e ampliando sua esfera de competências.
Essa Lei criou seis novas cortes de circuito (similares aos nossos tribunais regionais federais) e diversas novas cortes distritais (juízos federais de primeiro grau), com a consequente abertura de novas vagas de juízes federais. A lei entrou em vigor em 13 de fevereiro de 1801 e nas duas semanas seguintes o presidente Adams indicou para essas novas vagas correligionários do partido Federalista. Somente em 2 de março, na antevéspera da posse do presidente eleito Thomas Jefferson, o Senado confirmou as indicações. Muitos desses juízes tomaram posse no último dia do mandato de Adams, o que lhes valeu o apelido depreciativo de “juízes da meia-noite”.
Um dos juízes escolhidos por Adams foi William Marbury, que, embora tendo sua indicação aprovada pelo Senado, não conseguiu tomar posse em face de atropelos de última hora da administração que estava se encerrando. O novo presidente, Thomas Jefferson, determinou a seu secretário de Estado, James Madison, que não desse posse a Marbury. Com fundamento na Seção 13 da Lei Judiciária de 1789, que outorgava à Suprema Corte dos Estados Unidos jurisdição originária em casos de mandamus contra autoridades federais, Marbury provocou a manifestação da Corte, dando assim origem ao caso Marbury v. Madison, em que se decidiu justamente pela inconstitucionalidade desse dispositivo da primeira Lei Judiciária (o que, diga-se, convenientemente livrou o Tribunal, presidido por John Marshall, de inclinação federalista, de ter de arbitrar uma delicada questão de fundo partidário). Foi justamente nesse julgamento, que se tornaria histórico, que a Suprema Corte, em acórdão lavrado pelo próprio Marshall, firmou pioneiramente seu poder de exercer o controle de constitucionalidade das leis e de declarar inválidas as que, a seu juízo, não se conformassem com a Constituição. Essa doutrina seria depois incorporada ao direito constitucional brasileiro com a Constituição de 1891. O resto da história é bem conhecido. Quanto a Marbury, resolveu abrir mão de levar seu litígio a um tribunal de primeiro grau. Homem rico que era, acabaria tornando-se banqueiro, falecendo em 1835, mesmo ano em que morreu o Chief Justice John Marshall.
*Mario Bonsaglia é membro do MPF e, atualmente, Conselheiro do CNMP. Doutor em Direito do Estado (USP).
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