Pragmática, a nova geração de juízes, procuradores e delegados erra
aqui e acolá, mas dá mais prioridade aos fatos do que às doutrinas
A Justiça penal não será a mesma depois do mensalão e da Operação Lava
Jato. Tanto na prática de juízes, delegados, procuradores e advogados
como nas doutrinas e tribunais. Tudo começa a mudar. Que mudanças são
essas?
Mudança geracional. Juízes, procuradores, delegados são mais jovens.
Fizeram concurso mais cedo. Vivem na liberdade de imprensa, na
decadência dos partidos e na indignante apropriação privada dos bens
públicos. E não têm passado a proteger ou a temer.
Dão mais prioridade aos fatos do que às doutrinas. Mais pragmatismo e
menos bacharelismo. Mais a evidência dos autos –documentos, e-mails,
planilhas, testemunhos, registros– do que as lições de manuais
estrangeiros ou relacionamento de advogados com tribunais.
Erram aqui e acolá. Às vezes, extrapolam, mas passaram por duro
aprendizado institucional com Banestado, Castelo de Areia, Furacão e
outras operações. Atentos, buscam evitar nulidades processuais. O juiz, e
não mais os advogados, conduz o processo.
Usam de múltiplas estratégias. Jurídica, política e comunicativa.
Valorizam a força das imagens, que entram, via internet, televisão,
lares e ruas, nos autos e tribunais.
São informados e cosmopolitas. Organizam cooperação internacional com
Suíça, Holanda e Estados Unidos. É difícil para a tradicional advocacia
individual enfrentar essa complexa articulação entre instituições. Usam
com desenvoltura a tecnologia. Extraem inteligência de "big data"
(análise de grandes volumes de informação). Aplicam-se em finanças e
contabilidade.
As consequências para a advocacia são várias. Plantar nulidades para
colher prescrição –o juiz não seria competente, a defesa foi cerceada, o
delegado extrapolou poder investigatório etc.– é estratégia agora
arriscada. Tribunais superiores não suportam mais serem "engavetadores"
de casos que chegam quase prescritos. Diminuem-se diante do olhar da
opinião pública.
Apostar que juízes, procuradores e delegados agem com arbítrio, ferem
direitos fundamentais dos réus, sem clara e fundamentada evidência, é
protesto que se dissolve no ar.
Algumas defesas tentam politizar o julgamento. Juízes, delegados e
procuradores agiriam a serviço do governo ou dos políticos envolvidos.
Colocam suas fichas que no Supremo Tribunal Federal tudo se resolveria
politicamente. É tentativa possível. Nunca deixará de ser. Mas hoje o
sucesso é menos provável.
O invisível ministro Teori Zavascki não dá mostras de vergar. Até agora
não se conseguiu colocar Curitiba contra Brasília. Nem vice-versa.
Neste cenário, como em todos os países, a defesa preferencial dos réus
tem sido a minimizadora de riscos. Contabilizar perdas e danos.
Por isso aceitam a delação. Amortecem as condenações individuais dos
executivos, oferecendo o apoio empresarial às famílias. Fazem acordo de
leniência. Pagam alguns bilhões via Controladoria Geral da União. Vendem
ou remodelam as empresas. Assim o país se encontra com nova Justiça e
advocacia penal no Estado democrático de Direito.
JOAQUIM FALCÃO, 71, mestre em direito pela Universidade Harvard
(EUA) e doutor em educação pela Universidade de Genebra, é professor da
FGV Direito Rio
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/227918-lava-jato-muda-a-justica-e-a-advocacia.shtml
0 comentários:
Postar um comentário