Por Zilmar Duarte.
No final do ano circulou mais uma vez pela internet texto falsamente atribuído a Carlos Drummond de Andrade[1], intitulado “Cortar o Tempo”, cujo início é absolutamente arrebatador:
“Quem teve a ideia de cortar o tempo em
fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez com outro número
e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser
diferente…”.
Um novo marco legislativo, tal qual o passar do ano, traz consigo o
milagre da renovação, de que, no nosso caso, o processo civil começa
outra vez, pelo que se renovam as esperanças de que tudo vai ser
diferente.
Porém, é óbvio, o fatiamento do tempo ou a sucessão legislativa não
tornam, só por si, o porvir melhor do que o presente, sendo que, por
vezes, o futuro nos fisga com mera ilusão.
Prontamente devo dizer, em que pese estimulados pelas discussões
acadêmicas, estamos desanimados com o Novo CPC, pelo que, como não
poderia deixar de ser, tal desalento dá o tom desta cantilena. E dizemos
isso com a tranquilidade de quem esperou ansiosamente pelo anteprojeto,
mesmerizados pelos anúncios de suas diretrizes, de sua ideologia
norteadora da celeridade e efetividade (ideário maior).
Reconhecemos, obviamente, diversas virtudes no Novo CPC, suas
melodias, mas a frustração com os arranjos desafinados na partitura do
Código calam mais alto.
Pescados que fomos pela isca da ideologia de maior celeridade do
Código, a ilusão se dissipou com o trespassar frio do anzol, prenúncio
de que o processo civil brasileiro continuará enleado nas mesmas linhas,
conduzido pela sincopada melodia do atraso.
Diversos são os comandos do Novo Código que conspiram contra a
celeridade processual, a efetividade do processo, tornando este
verdadeiras palavras de um livro sem final.
O grande pecado do Código, no particular, foi ter mantido o efeito
suspensivo automático das apelações, afastando consequentemente a
eficácia imediata das sentenças judiciais.
Como o devido e merecido respeito, atualmente as sentenças, por conta
do efeito suspensivo ope legis, assemelham-se muito com às decisões dos
juízes leigos de que trata o artigo 40 da Lei nº 9.099/1995, sempre a
esperar a chancela ou substituição pelo respectivo Tribunal.
Nada justifica obrigar o vencedor da demanda em primeira instância a
esperar o tempo do duplo grau de jurisdição, quando o juiz já declarou a
existência do direito postulado.
Manteve-se no Código o paradoxo de uma tutela provisória, pautada
sempre em cognição sumária, em grande parte dos casos proferida sem a
realização do prévio contraditório, ter mais eficácia do que uma
sentença, assentada em cognição exauriente e contraditório completo.
Como já dissemos aqui, em um sistema de Justiça civil que se deseja
(e se projeta) efetivo e sério, a sentença não pode ter o mesmo efeito
de um parecer; o primeiro grau não pode ser mera instância de passagem; e
o juiz monocrático não pode ser responsável, simplesmente, por decidir
quem vai recorrer de sua decisão (quando não ambos)[2].
Assim, acaso permitido catar o preceptivo do Código que mais conspira
contra a efetividade, ousaríamos apontar o artigo 1.012, no que concede
efeito suspensivo ope legis às apelações, desarranjando qualquer
melodia, tornando o procedimento comum previsto no Novo CPC palco de
inaudível.
MARCELO PACHECO MACHADO, na semana passada, trouxe-nos como
resoluções para o ano novo algumas premissas, que poderíamos sintetizar
numa postura proativa dos atores do processo judicial em tornar o
processo mais simples, eficaz e menos complexo[3].
CARNELUTTI, em feliz passagem, prelecionava que o resultado do
processo depende muito mais da qualidade e da quantidade dos
instrumentos, pessoas e bens de que possa dispor, do que propriamente da
bondade das normas processuais que regulem seu emprego.
Logo, postura proativa dos atores processuais, compromisso com a
efetividade do processo por parte destes, possibilita uma releitura
transformadora da realidade processual, na medida em que a mirada seja a
efetividade processual.
Como consta do prefácio do livro escrito em coautoria com companheiros desta coluna:
“Existe uma velha fábula sobre um grande
professor de piano que, não obstante seus méritos musicais, era
destituído de posses, pois direcionava seu ensino às pessoas de poucos
recursos, quando não despojados destes. Esse professor ministrava suas
aulas utilizando um velho piano, em que algumas teclas não mais
funcionavam, pelo que o professor habilidosamente ignorava-as com seus
toques rápidos e certeiros. Ainda assim, o virtuoso professor, nas suas
interpretações musicais, extraia do piano os sons necessários à
execução musical. Passados vários anos de ensino, formados diversos
alunos no maltratado instrumento, um deles presenteou o professor com um
novo piano. Ainda que este funcionasse perfeitamente, o professor
continuava a tocar majestosamente suas peças ignorando as teclas do novo
piano, correspondentes àquelas que não funcionavam no velho piano.
Conquanto as interpretações musicais do grande professor continuassem
virtuosas, as mesmas ficavam sempre aquém das potencialidades do novo
piano, da execução musical completa que utilizasse todos os recursos
sonoros disponíveis no referido instrumento. A lição por trás do conto
é que o novo instrumento não produz resultados renovadores se não
acompanhado de uma nova visão, uma nova postura ou, melhor dizendo, uma
nova prática.”[4].
Pois bem, o que desejamos neste ano e para o Novo Código, é que os
atores do processo judicial utilizem os mecanismos previstos no mesmo na
direção de fazer o processo mais efetivo, consequentemente menos
ilusórias suas promessas.
A postura tem que ser outra.
O Código oferece mecanismos para tanto. Permite a concessão de tutela
de urgência ou evidência na sentença, afastando o efeito suspensivo
automático (artigo 1.012, § 1o, inciso V), dá margem à interpretação da
eficácia imediata das decisões parciais de mérito (artigo 356) e das
sentenças proferidas em ação monitória (artigo 702)[5], o que coroa sua exigência pela tutela satisfativa em prazo razoável (artigo 4º).
Será um contrassenso, com a devida vênia, na vigência do Novo Código,
que o magistrado não esteja convencido suficientemente da evidência do
direito, a fim de conceder a tutela de evidência na sentença (artigo
311).
Igualmente, o próprio tempo do processo é justificativa mais que
suficiente para, em sede de sentença, ser concedida a tutela provisória,
pois o desrespeito ao direito, por largo período, sempre coloca em
risco sua plena satisfação (artigo 300).
Portanto, para 2016, para o Novo Código, o que se deseja simplesmente é efetividade das sentenças judiciais.
Nada mais, nada menos.
Feliz ano novo e que façamos efetivo nosso desejo de efetividade, sob
pena de as promessas do Novo Código, que nos trouxeram fé, não passarem
de mais uma ilusão, sobre a qual não valia a pena esperar.
Fonte: JOTA e GENJURÍDICO
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