Por Luiz Dellore
No atual sistema processual brasileiro, são inúmeros os debates
relativos à multa diária – ou astreintes. Vale destacar que a aplicação dessa
multa era bem limitada no início da vigência do CPC73, então prevista apenas no
art. 287, o chamado “pedido cominatório”. Com a reforma processual de 1994[1]
e a modificação do art. 461, com a previsão de multa para a tutela específica
da obrigação de fazer, é que o tema realmente ganhou relevância no Brasil.
Quanto ao assunto, muitos temas já foram pacificados pela jurisprudência, mas
ainda havia questões objeto de debates.
Mas, com o Novo CPC, há inovações que trarão novos e distintos debates.
O Novo CPC em parte repete o CPC73, mas também traz modificações em
relação à multa diária – a começar pelo nome, pois o CPC73 falava expressamente
em “multa-diária”[2], ao passo que o NCPC apenas a denomina de “multa”,
talvez sendo mais conveniente, então, se falar em multa periódica. Dentre as
inovações, serão analisadas nesta coluna as seguintes: (i) titularidade
da multa, (ii) possibilidade de redução, (iii)cabimento em
obrigação de pagar e (iv) momento da execução da astreinte.
(i) Quem é o titular da multa? O Estado ou a parte?
O CPC73 não trata especificamente do tema, mas a jurisprudência que logo
se formou foi no sentido de ser da própria parte a titularidade da multa. Ou
seja, se a parte ré não cumprisse uma obrigação de fazer fixada pelo juiz, e
houvesse a cominação da multa, a parte autora é que seria a beneficiária da
multa.
Contudo, parte da doutrina não concorda com essa posição, buscando
aproximar a multa da figura do “contempt of court” (desrespeito à corte) do
direito anglo-saxão, afirmando, então, que a multa deveria reverter ao Estado[3].
Com base nessa corrente doutrinária, a questão voltou as tribunais.
Assim, em 2012 o STJ novamente debateu o tema, mas manteve o entendimento
consolidado, no sentido da titularidade da multa para a parte – mas com voto
vencido no sentido de que a multa deveria reverter ao Estado[4]:
Vale destacar que o voto vencido no julgado mencionado trazia, dentre
seus fundamentos, o projeto de NCPC. Isso porque, durante a tramitação do
Código, em alguns momentos o texto legal afirmava que a multa reverteria ao
Estado.
Contudo, a versão aprovada do Código previu expressamente a titularidade
da multa para a parte. É o que se depreendo do art. 537, § 2º: “O valor da
multa será devido ao exequente”[5].
Com isso, é de se concluir que o NCPC, reafirmando a jurisprudência
consolidada, prevê que a multa reverte à parte. E, na verdade, afasta qualquer
possibilidade de ser o Estado o titular da multa.
(ii) (Im)possibilidade de redução da multa já vencida
Tema bastante controvertido na doutrina é a possibilidade de a multa –
já fixada e já vencida – vir a ser reduzida posteriormente.
De maneira bem simplificada, de um lado os defensores da redução apontam
que a multa não pode causar o enriquecimento sem causa; do outro, os defensores
da manutenção afirmam que o desrespeito à ordem judicial é estimulado quando há
a redução da multa.
No âmbito jurisprudencial, o debate já está superado. O STJ, até mesmo
em recurso repetitivo, firmou a tese de ser possível a redução da multa a
qualquer tempo, mesmo em sede de execução, para que não se configure o
enriquecimento sem causa[6].
Durante a tramitação do projeto de NCPC, houve redação que expressamente
afirmava que não seria possível a redução da multa já fixada.
A redação final, contudo, não manteve essa posição – mas tampouco foi
absolutamente clara no sentido de permitir a revisão. Vejamos o art. 537, § 1º
(grifos nossos):
§ 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a
periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I – se tornou insuficiente ou excessiva;
II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da
obrigação ou justa causa para o descumprimento.
Por uma primeira leitura do caput, ao se fazer menção a “multa
vincenda”, poder-se-ia interpretar que a multa vencida não estaria abarcada
pelo dispositivo. Assim, não seria possível a redução da multa já fixada e
vencida.
Não me parece a melhor interpretação. A uma, pelo motivo já exposto da
evolução do texto legislativo (que antes expressamente vedava a redução, agora
não mais existindo essa vedação). A duas, porque o inciso II prevê a “justa
causa para o descumprimento”; ora, a justa causa terá de ser apreciada após a
fixação da multa, de modo que não haveria sentido em se falar em justa causa de
antemão.
Portanto, parece-me que o texto legal acolhe a posição jurisprudencial
sedimentada pelo STJ à luz do CPC73, no sentido de permitir a revisão da multa
já fixada. Porém, como o art. 537, § 1º não é totalmente claro nesse sentido, é
possível que haja algum debate jurisprudencial acerca do tema.
(iii) Cabimento em obrigação de pagar
O NCPC, no cotejo com o CPC73, aumenta a incidência da multa periódica[7].
Mas, no NCPC, cabe a multa diária também para o cumprimento de obrigação de
pagar?
No CPC73, isso não era admitido, pois o 461 apenas tratava da tutela
específica das obrigações de fazer (art. 461) e de entrega de coisa (art.
461-A), sendo que, para a obrigação de pagar a previsão era a penhora (art.
652).
Mas temos uma nova visão quanto à obrigação de pagar, especialmente
considerando o art. 139, IV do NCPC (grifos nossos):
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste
Código, incumbindo-lhe:
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial,
inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Como se percebe do final do inciso IV, o NCPC traz um novo paradigma
para o cumprimento das obrigações de pagar[8]. Assim, doravante será
possível medidas coercitivas também nas obrigações de pagar quantia.
Logo, é de se interpretar essa inovação também como a possibilidade de o
juiz, na execução ou cumprimento de sentença de obrigação de pagar, fixar multa
periódica para se atingir o pagamento. Trata-se de uma importante inovação no
sistema, que tem a possibilidade de tornar mais efetiva a execução,
especialmente considerando o executado recalcitrante[9].
(iv) Momento da execução da astreinte
Outro tema bastante polêmico no tocante à multa diz respeito ao momento
em que ela é exigível. Há dois extremos: (i) apenas após o trânsito em julgado
seria possível a exigibilidade da multa e (ii) é possível executar a multa logo
após sua fixação, independentemente de qualquer outro requisito[10].
E há um entendimento intermediário, fixando algumas premissas para que
haja a fixação da multa – com grande variação entre os requisitos para isso.
E o STJ adota essa posição. Ainda que haja alguma variação, o
entendimento que parece prevalecer é no sentido de só ser possível a execução
provisória da multa, se o pedido a que ela se vincula for procedente e
impugnado por recurso sem efeito suspensivo[11].
Também o NCPC adota essa posição intermediária, mas trazendo outros
requisitos para que seja possível a execução. O tema está regulado no art. 537
(grifos nossos):
§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório,
devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o
trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo
fundado nos incisos II ou III do art. 1.042.
Portanto, inova a legislação, pois prevê:
(i) imediata exequibilidade da multa;
(ii) levantamento somente após o trânsito em julgado ou pendente recurso
contra não admissão de recurso para tribunal superior.
Ou seja: há imediata possibilidade de execução, logo após a fixação da
multa e independentemente de outros requisitos (sequer a apreciação do efeito
suspensivo ao agravo de instrumento que fixou a multa); porém, o levantamento
fica condicionado à confirmação ao trânsito em julgado da decisão final (e não
apenas da decisão que fixou a multa)[12].
Conclusão
Como se percebe deste breve texto, há importantes definições e inovações
quanto à multa diária (ou periódica) no NCPC. Da mesma forma, há dúvidas que
decorrem dessa nova regulamentação.
Mas o caminho para a maior efetividade das decisões judiciais, via multa
coercitiva, está aberto. Vejamos como os advogados e tribunais lidarão com
isso, a partir da vigência do NCPC.
Fonte: JOTA
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